Quando se fala em prazer de condução as primeiras letras que vêm à cabeça são BMW, particularmente por causa da publicidade lamechas que associa os automóveis ao estilo de vida. Ou então fazem como eu e imaginam um DB9 a viajar por estradas secundárias nas montanhas italianas. Ou melhor ainda e pensam como futebolistas e sonham com um Mercedes GL500 a passear nas docas à noite enquanto os bancos massajam as vossas costas como se fossem os pés de duas raparigas asiáticas vestidas apenas com uma toalha. Mas para mim, hoje à tarde, o prazer de condução chegou numa forma pequena... E vermelha.
Um Renault Clio RL, 1.2 a gasolina de 1993. Este automóvel foi o primeiro Renault a receber motor Energy com injecção monoponto. Infelizmente este exemplar não está exactamente como no dia em que foi comprado. Está magoado e amolgado, repleto de insectos, manchas e poeiras. A cor das portas não é exactamente a mesma do resto da carroçaria as jantes parece que foram recuperadas de um galeão espanhol afundado. A luz no painel de instrumentos que nos diz que os indicadores estão activados não discrimina entre esquerda, direita ou quatro piscas.
A caixa de velocidadades é feita de pedra e a manete assemelha-se a uma colher-de-pau numa panela de sopa grossa alentejana. A velocidade também não está exactamente ao nível de um Veyron. Os 0-100 km/h ocorrem apenas em cerca de duas eras glaciares. O som que ele faz parece uma orquestra, a ser corrida a tiro durante uma interpretação da 9ª Sinfonia. Há chiadeiras que parecem ter origem em cerca de cem peças diferentes. Os bancos causam-nos mais dores nos rins do que se estes estivessem a ser retirados para serem vendidos no mercado negro e há um cheiro esquisito a sumo de laranja azedo a vir de debaixo do assento do passageiro. Mas devo dizer que este é um dos melhores carros que já conduzi...
O David numa pose que pede mesmo publicação no hi5. Feito.
Hoje tinha combinada uma viagem com o David e o nosso próprio "Captain Slow" Duarte Santos. Mas o Duarte decidiu que entreter familiares em casa era mais importante que não fazer nada e deixou-nos aos dois sem ideia para onde ir. Decidimos seguir em direcção a Loures, depois Caneças, depois Mafra e finalmente, até à Ericeira. Chegámos mesmo a tempo, pois testemunhámos um pôr-do-sol verdadeiramente espectacular que nos pôs a pensar nas nossas caras-metade que desejávamos que estivessem ali connosco. O mais importante não foi o destino, mas a viagem.
A verdade é que aquele caixote vermelho, com todas as suas amolgadelas, chiadeiras e aromas a fruta podre nos levou e nos trouxe a cantar pelo caminho, a desejar que dia nunca acabasse. A maneira como aquele pequeno carro se comporta em estrada, o contentamento que é conduzi-lo, a sensação de liberdade que trasmite. É épico. Porque, no final, não é a potência, o luxo nem a velocidade que nos faz gostar de um carro, é como ele nos faz sentir. Naquelas horas esqueci BMWs, Mercs e até Astons. Aquele pequeno balde de diversão era tudo o que interessava.
João Neves